Rio+20 e muito mais: não há futuro sem justiça

Civil Society Reflection Group on Global Development[1]

Durante os últimos 20 anos, pouco se fez para mudar os padrões de produção e consumo que poluem, destroem a biodiversidade e provocam mudanças climáticas. Simultaneamente, compromissos com os direitos humanos e a justiça de gênero deixaram de ser cumpridos. Estamos enfrentando uma crise ecológica e da sociedade. O Estado é capaz de responder rapidamente a essa crise se agir com responsabilidade e legitimidade democrática. Em tempos onde o crescente inter-relacionamento global prevalece entre sociedades, economias e pessoas, os princípios acordados universalmente constituem uma pré-condição para a convivência justa, pacífica e harmoniosa com a natureza. E neste documento propomos oito princípios como alicerce para um novo marco dos direitos à sustentabilidade.

O mundo necessita de mudanças profundas.  Vivemos em um mundo caótico; muitas pessoas são arremessadas de um lado para o outro como em uma montanha russa global, ou um grande cassino global que coloca em jogo nossas vidas, nossa segurança, nosso futuro e nosso planeta.

Vivemos em um mundo onde 20% da população mais rica desfruta de mais de 70% da renda total gerada e aqueles que constituem os 20% mais pobres recebem apenas 2% da renda global.  Os ganhos provenientes do crescimento econômico e da globalização foram distribuídos de maneira desigual. Na maior parte dos países, os ricos ficaram ainda mais ricos às custas da classe média e dos grupos de baixa renda. A expansão econômica desenfreada aumentou ainda mais as desigualdades sociais, embora tenha gerado os recursos para financiar o acesso mais igualitário aos serviços públicos essenciais. A persistência da pobreza, do desemprego, da exclusão social e dos altos níveis de desigualdade está ameaçando os sistemas de atendimento, a coesão social e a estabilidade política.

Vivemos em um mundo onde 50% das emissões de carbono são geradas por 13% da população. Padrões de produção e consumo não sustentáveis e em franca expansão estiveram atrelados à rápida depleção de recursos naturais, incluindo água limpa, assim como a distribuição desigual dos prometidos "benefícios" do crescimento econômico e da ampliação do comércio.  Eles causaram o aquecimento global que resulta no aumento do nível do mar, na alta incidência de condições climáticas extremas, na desertificação e no desflorestamento.  No caso da biodiversidade, a perda do patrimônio ambiental é permanente.  Nós excedemos os limites ecológicos e ignoramos as fronteiras do nosso planeta. Com a ameaça da mudança climática, o tempo já se esgotou e estamos vivendo a partir de nossas reservas.  Entretanto, recusamo-nos a reduzir as emissões e a dedicar os recursos já escassos àqueles que ainda não se beneficiaram de sua exploração.

Muitas vezes as políticas nacionais e internacionais não tinham como objetivo reduzir as desigualdades.  A sua orientação a estimular o crescimento econômico forneceu incentivos para exploração da natureza, dependência do uso de combustíveis fósseis e depleção da biodiversidade, afetando adversamente a provisão de serviços essenciais na medida em que os países competiam, buscando reduzir cada vez mais impostos e custos da mão-de-obra como forma de incentivo.

A discriminação persistente aprisiona as mulheres em funções reprodutivas precárias e na violência. As mulheres, especialmente as de baixa renda, ainda sofrem discriminação social, e em muitos locais, são privadas de seus direitos reprodutivo, sexual e sobre seu corpo.  Isso as torna mais vulneráveis à exploração e violência dentro e fora de seus lares. A função de cuidar, que muitas vezes é assumida pelas mulheres nos domicílios, não é reconhecida ou valorizada. As atividades produtivas e de subsistência das mulheres, que envolvem todas as formas de trabalho relacionado ao cuidado com a saúde, muitas vezes não recebem nenhum tipo de proteção ou apoio.  Todos esses fatores se tornam ainda mais difíceis em tempos de crises econômicas e mediante políticas que favorecem o lucro econômico sobre o respaldo social. 

A biodiversidade e a natureza generosa são apreciadas, mas ao mesmo tempo não são respeitadas, protegidas ou valorizadas.  Comunidades e populações que buscam viver em harmonia com a natureza vêem seus direitos ignorados e sua subsistência e cultura ameaçadas.

Por que isso aconteceu? Com certeza, não foi por conta de falta de conscientização ou atenção dos legisladores do alto escalão. O perigo da mudança climática, citado em meados dos anos 80 em uma conferência da Organização Mundial de Meteorologia (OMM), foi destacado em 1987 pelo Relatório Brundtland, que também enfatizava a situação emergencial da perda de biodiversidade.  Essa ênfase foi levada à Conferência do Rio de Janeiro em 1992 (Eco 92), que introduziu convenções marco sobre mudança climática e biodiversidade, bem como sobre desertificação. Os princípios da Declaração do Rio, os Princípios sobre Florestas e um plano de ação, a Agenda 21, também foram adotados.

As conferências globais dos anos 90 deram enfoque em questões ligadas aos direitos humanos e igualdade social e adotaram planos para lidar com as injustiças na arena da exclusão social e discriminação de gênero. Na Declaração do Milênio de 2000, os estados membros se comprometeram a "defender os princípios da dignidade humana, igualdade e eqüidade a nível global", como uma "obrigação para todos os povos do mundo, especialmente os mais vulneráveis, e, em particular, as crianças do mundo, a quem o futuro pertence".

Entretanto, ao longo dos últimos 20 anos, os ideais e princípios da Eco 92 foram ofuscados, uma vez que sua implementação, em grande parte, não ocorreu. Similarmente, uma ampla gama de compromissos de direitos humanos e justiça de gênero não foi cumprida. A produção per capita mundial mais do que dobrou nas últimas duas décadas, porém com disparidades cada vez mais acentuadas. A globalização gerou milhões de empregos de baixa qualidade. A especulação financeira e de commodities reduziu a segurança alimentar e fez com que milhões de hectares de terra deixassem de produzir alimentos e migrassem para aplicações não sustentáveis.  Pouco se fez para mudar os padrões de produção e consumo que poluem, destroem a biodiversidade e levam, inexoravelmente, à mudança climática. Quarenta e cinco países com uma população total de 1,2 bilhões de pessoas conseguiram atingir indicadores sociais que superam a média mundial, com emissões de CO2 a partir de combustíveis fósseis abaixo da média mundial. E nenhum deles é rotulado como um país de "alta renda". Ainda assim, similarmente a outros países de renda média e aos considerados "menos desenvolvidos", eles muitas vezes vêem o espaço que têm para escolher alternativas de políticas domésticas que promovam o desenvolvimento sustentável cada vez mais pressionado por demandas externas, pré-condições e imposições que os obriga a tomar medidas como reduções drásticas em impostos e gastos com serviços sociais. 

As políticas econômicas, em muitas ocasiões, estiveram na contracorrente dos compromissos assumidos na área de direitos e sustentabilidade, uma vez que essas e suas instituições correlatas, nacionais e internacionais, ocupam a cúpula dos domínios de governança.  As políticas dependeram demasiadamente dos mercados para alocar os recursos da sociedade e distribuir riqueza, elegendo exclusivamente o PIB como a medida suprema do bem estar.  O resultado foi uma concentração maior de algumas empresas transnacionais com fatias maiores do mercado, incluindo os setores de alimentos e medicamentos.

Essa opção deliberada por uma política de não-intervenção atingiu seu pico quando a crise, iniciada nos EUA, eclodiu no cenário financeiro global em 2008, intensificando ainda mais as desigualdades, conforme o desemprego e as reduções no nível de renda atingiram os grupos de baixa renda de maneira desproporcional.  Ainda assim, as políticas geradas como resposta, continuaram a pressionar de forma implacável as sociedades e comunidades, apoiando-se nos mesmos agentes do mercado que demonstraram estar errados antes, prestando pouca ou nenhuma atenção aos sistemas ecológicos e humanos já fragilizados e levando as comunidades e sociedades a um ponto de ruptura. 

Apesar das evidências de que políticas contra-cíclicas agiam como amortecedores eficientes e melhoravam a resistência, muitos governos sacrificaram os gastos sociais em favor de um sistema ortodoxo neoliberal e uma dependência mais forte de mercados financeiros.  Os custos da inação e da prática equivocada de se atuar como de costume acabaram acumulando uma montanha de passivos sociais e ecológicos. Os altos níveis de desemprego, especialmente entre os mais jovens, os crescentes preços dos alimentos e a disseminação da injustiça criaram um clima de agitação e tensão política e social em muitos países. Em vários países ao redor do mundo, do Cairo, passando por Manhattan, à Nova Déli, pessoas vão às ruas para expressar sua revolta com a condição atual e sua incapacidade de aceitar que ela continue.  Seus motivos e metas podem diferir de acordo com as circunstâncias peculiares em que vivem – mas suas demandas são parecidas: mais justiça e menor dependência das pressões dos "mercados" e seus fiéis agentes.

Por que a governança deixa tanto a desejar? Os Estados renegaram seus valores democráticos e os governos se tornaram menos responsáveis perante as pessoas. As normas e padrões estão sendo ignorados ou contornados por meio de novas regras que favorecem os mercados. Os riscos estão sendo assumidos por aqueles que não têm a função de assumí-los, enquanto uma nova classificação de "grande-demais-para-falhar" reordenou a distribuição dos recursos públicos. Somos confrontados com uma hierarquia de direitos, sendo que os que protegem os sistemas ecológicos e humanos são relegados aos mais baixos níveis. Pode-se traçar um paralelo entre essa situação e a condição encontrada na governança nas esferas nacional e internacional.  Adicionalmente, a governança global fragmentada não permitiu abordar o macro-cenário e estabeleceu demandas menos relevantes que tratam sintomas e não causas.

Décadas de políticas mal lideradas e o impacto de várias políticas equivocadas inevitavelmente destacaram o papel do Estado e sua importância. Respostas às falhas do sistema financeiro demonstram que o Estado pode agir e o fará rapidamente frente a uma catástrofe iminente envolvendo dinheiro e políticas.   Entretanto, o papel mais forte do Estado deve ser baseado em responsabilidade e legitimidade democrática, além de ser equilibrado pela participação efetiva da sociedade civil.

Estamos vivendo um período de turbulências, enfrentando calamidades ecológicas e da sociedade.  Exigimos que os Estados ajam imediatamente e efetivamente perante a iminência desta catástrofe.

Reconfirmando o fundamento da sustentabilidade: O marco dos princípios e direitos universais

A necessidade de princípios universais. Todo conceito relacionado ao desenvolvimento, bem-estar e progresso das sociedades é baseado em uma série de princípios e valores fundamentais. Esses valores estão profundamente arraigados em nossos sistemas de cultura, ideologia e crença. Estamos convencidos de que existe um conjunto de princípios e valores universais que é compartilhado pela maioria de nós. Os princípios e valores comuns constroem o alicerce de sociedades. Reconhecemos que a diversidade de expressões culturais constitui um valor por si só, que precisa ser protegido e promovido.  Em tempos de globalização, onde o crescente inter-relacionamento global prevalece entre sociedades, economias e pessoas, os princípios acordados universalmente constituem uma pré-condição para a convivência justa, pacífica e harmoniosa com a natureza.

Um conjunto de princípios existentes como uma plataforma comum. Não é necessário inventar esse tipo de valores e princípios. Nas constituições nacionais, assim como em vários tratados, declarações e definições de políticas internacionais das Nações Unidas, os governos chegaram a um acordo a respeito de certos princípios fundamentais, que são essenciais para as sociedades e as relações internacionais. Assim, propomos oito princípios como alicerce para um novo marco dos direitos à sustentabilidade.

  • Princípio da solidariedade. A solidariedade tem sido um princípio amplamente aceito em várias constituições nacionais que governa as relações entre cidadãos de um país. Parte vital deste conceito é a igualdade entre cidadãos e sua responsabilidade compartilhada na busca do bem comum. Dentro da noção de solidariedade, a assistência não é um ato de caridade, mas um direito de todo homem, mulher e criança. A solidariedade difere radicalmente da caridade e da filantropia. Em tempos de globalização, esse conceito foi transferido para a esfera internacional. Na Declaração do Milênio, os governos listaram a solidariedade como um dos valores centrais: "Os desafios globais devem ser administrados de maneira que distribuam os custos e ônus de forma justa, de acordo com os princípios básicos de igualdade e justiça social. Aqueles que sofrem ou que pouco se beneficiam merecem o auxílio daqueles que muito se beneficiam." Hoje, a noção de solidariedade é aceita como um princípio fundamental em vários acordos internacionais, como a Convenção das Nações Unidas para o Combate à Desertificação de 1994.
  • Princípio de não causar o mal. Originalmente, um dos principais princípios da ética médica, refletido na promessa do Juramento de Hipócrates - "abster-se de causar o mal" - tornou-se relevante em outras áreas. Ele foi, por exemplo, incluído nos princípios humanitários da UNICEF desde 2003 e foi adotado no código de conduta de grandes organizações humanitárias. De fato, o compromisso de implementar políticas de maneira que não causem danos às pessoas ou à natureza deve ser visto como um princípio que orienta todas as áreas de políticas em todos os níveis.
  • Princípio das responsabilidades comuns, porém diferenciadas. Esse princípio estabelece um dos marcos da Declaração do Rio de 1992. Seu Princípio 7 estabelece: "Levando-se em conta as diferentes contribuições à degradação ambiental, os Estados possuem responsabilidades comuns, porém diferenciadas. Os países desenvolvidos reconhecem a responsabilidade que possuem na busca internacional do desenvolvimento sustentável em face das pressões que suas sociedades exercem no ambiente global e das tecnologias e recursos financeiros que comandam." Pela primeira vez na história, os governos reconheceram sua contribuição diferenciada, atual e histórica, à degradação ambiental, e, portanto, sua obrigação diferenciada de arcar com os custos de sua remediação e mitigação.  Ao se incluir a dimensão histórica, vamos além do princípio do "tratamento diferenciado e especial", baseado nas capacidades e necessidades econômicas, conforme descrito nos Acordos da OMC. O princípio é um elemento chave do Protocolo de Kyoto, mas sua aplicação não deve estar limitada às negociações sobre o clima.
  • O Princípio do 'poluidor é quem paga'. A mensagem simples deste princípio é que os custos da poluição têm de ser cobertos por aqueles que a causam. Este princípio tem sido parte da lei ambiental internacional desde os anos 70 e foi reafirmado na Declaração do Rio no seu Princípio 16: "As autoridades nacionais devem esforçar-se para promover a internacionalização dos custos ambientais e do uso de instrumentos econômicos, levando em conta a abordagem de que o poluidor deveria, em princípio, arcar com os custos da poluição (...)." Enquanto este princípio é amplamente reconhecido em leis ambientais internacionais, ele deveria ser aplicado em outras áreas também.  No contexto da recente crise financeira, muitos pediram aos "poluidores", isto é, os bancos e o setor financeiro, que arcassem com os custos da crise. Como o Comissário europeu, Michel Barnier, afirmou: "Eu acredito no princípio do 'poluidor é quem paga'. Precisamos construir um sistema que garanta que o setor financeiro pague pelo custo das crises bancárias no futuro."
  • Princípio da precaução. Este princípio estabelece que na ausência de um consenso científico, se uma medida ou política apresentar uma suspeita de risco de causar danos às pessoas ou à natureza, o ônus da prova de que a referida medida ou política não é prejudicial recai sobre os proponentes da mesma.  Também se preconiza na Declaração do Rio em seu Princípio 15: "Para proteger o meio ambiente, a abordagem da precaução deve ser amplamente aplicada pelos Estados, de acordo com suas capacidades. Onde existem ameaças de prejuízos graves ou irreversíveis, a falta de plena certeza científica não deve ser usada como um motivo para o adiamento de medidas com uma boa relação de custo-benefício para impedir a degradação ambiental." Após a Cúpula do Rio, esse princípio foi incorporado em vários outros acordos internacionais, como o Protocolo de Cartagena sobre Biossegurança, a partir do ano 2000, englobando o movimento transfronteiriço de organismos modificados vivos e seus produtos. 
  • Princípio da subsidiariedade.  De acordo com este princípio, as decisões políticas sempre devem ser tomadas na mais baixa esfera política e administrativa possível, e o mais próximo possível dos cidadãos, para assegurar que homens e mulheres participem da tomada de decisão.  A idéia é um elemento essencial dos conceitos do federalismo e um dos princípios centrais dos tratados da União Européia. Os povos indígenas consideram esse princípio como uma ferramenta vital para preservar sua identidade, diversidade e cultura. O princípio reconhece o direito democrático inerente de pessoas, comunidades e nações à autodeterminação, desde que seu exercício não viole os direitos similares de outros.  Portanto, ele não deve ser utilizado equivocadamente como um argumento contra medidas centrais do governo nas esferas nacional e internacional; deve, entretanto, ser sempre aplicado em combinação com outros princípios, especialmente o da solidariedade.
  • Princípio do Consentimento Livre, Prévio e Informado. De acordo com esse princípio, as comunidades têm o direito de conceder ou não seu consentimento para projetos e ações propostas por governos ou corporações que possam afetar sua subsistência ou as terras que usualmente ocupam, usam ou são de sua propriedade.  Esse princípio é um elemento chave da Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas de 2007 e é reconhecido pela Convenção da OIT sobre Povos Indígenas e Tribais em Países Independentes (169/1989). Entretanto, não está limitado aos direitos de povos indígenas. Também está descrito na Convenção de Rotterdam de 1998 que versa sobre o procedimento do Consentimento Prévio e Informado para o comércio internacional de certos produtos químicos e pesticidas perigosos. Essa Convenção estabelece, inter alia, que países importadores devem receber informações sobre um produto químico exportado de um país que o tenha proibido ou rigidamente restringido por motivos ambientais ou de saúde.
  • Princípio da Resolução Pacífica de Disputas. Este princípio é um elemento central da Carta das Nações Unidas, que descreve em seu artigo 2: "Todos os membros deverão solucionar suas disputas internacionais através de meios pacíficos e de maneira que a paz, a segurança e a justiça internacionais não sejam colocadas em risco." Na Declaração de Manila de 1982, os governos reconfirmaram que a resolução pacífica de disputas deveria constituir uma das preocupações essenciais dos Estados e das Nações Unidas (A/RES/37/10, 15 novembro de 1982).
  • Esses oito princípios devem compor os alicerces de um marco universal dos direitos à sustentabilidade. Eles estão inter-relacionados e não devem ser aplicados isoladamente.

Os valores essenciais de liberdade, igualdade, diversidade e respeito pela natureza. Além do conjunto central de princípios universais, há valores fundamentais que também são essenciais às relações internacionais. Os governos se referiram a alguns deles na Declaração do Milênio. Eles incluem, nomeadamente:

  • Liberdade. Homens, mulheres e crianças têm o direito de viver suas vidas com dignidade, livres da fome e do medo da violência, opressão ou injustiça. A governança democrática e participativa baseada nas aspirações das pessoas é o que melhor garante esses direitos. Todavia, há limites para a liberdade - quando há interferência na liberdade de nossos pares.  "A liberdade é sempre a liberdade dos dissidentes" (Rosa Luxemburg).  E há limites para a liberdade no princípio de "não causar o mal".
  • Igualdade. Nenhum indivíduo, nenhuma nação e nenhum grupo devem ser privados da oportunidade de participar e se beneficiar do desenvolvimento. Os direitos e oportunidades igualitários para mulheres e homens devem ser garantidos. A igualdade inclui o conceito de justiça intergeracional, isto é, o reconhecimento de que a geração atual deverá atender suas necessidades somente de maneira que não comprometa a habilidade de gerações futuras de atenderem suas necessidades.
  • Diversidade. Os seres humanos devem se respeitar com toda sua diversidade de crença, cultura, idioma, aparência, orientação sexual e gênero. As diferenças internas e entre sociedades não deveriam ser temidas ou reprimidas, deveriam ser apreciadas como um valioso bem da humanidade. Uma cultura de paz e diálogo deve ser promovida de maneira pró-ativa.
  • Respeito pela natureza. A prudência deve ser exercida perante o uso de recursos naturais e todas as espécies vivas. Somente assim as riquezas imensuráveis que a nós foram concedidas pela natureza serão preservadas e passadas a nossos descendentes. Os atuais padrões insustentáveis de produção e consumo devem ser alterados pelo interesse de nosso bem estar futuro e o de nossos descendentes. O respeito pela natureza significa muito mais do que a gestão saudável do meio ambiente humano: significa que todas as espécies vivas possuem direitos intrínsecos. Não devem ser consideradas como objetos da interação humana, mas sim como seres com um valor que ultrapassa seu uso e troca. Essa compreensão da natureza como um sistema vivo está refletida nos sistemas de pensamento e crença dos povos indígenas, como, por exemplo, no conceito do Buen Vivir.

Ineficiência em traduzir os princípios em ações. Ao mesmo tempo em que todos os governos concordaram, em geral, com esses princípios, a grande maioria deixou de transformá-los em obrigações e políticas específicas aplicáveis. Se os governos tivessem levado a sério o princípio de solidariedade, a pobreza e a fome poderiam ter sido drasticamente reduzidas; se, de fato, aceitassem o princípio de responsabilidades comuns, porém diferenciadas, a Cúpula do clima de Copenhague não teria tido um desfecho tão desastroso; e se tivessem cumprido o princípio da precaução, as catástrofes nucleares como a de Chernobyl e de Fukushima teriam sido evitadas.

Transformando princípios em direitos. Para assegurar o funcionamento de uma sociedade e criar salvaguardas contra a tirania, valores têm de ser traduzidos em leis, direitos e obrigações com valor jurídico. No nível internacional, o sistema de direitos humanos desempenha um papel fundamental na transformação de valores morais em direitos legais. Com relevância especial, a Carta Internacional dos Direitos Humanos inclui a Declaração Universal dos Direitos Humanos, o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais.  Com importância equivalente, há também a Convenção para Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e a Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança. Mais recentemente, esses documentos de cunho essencial foram complementados pela Convenção da Proteção e Promoção da Diversidade de Expressões Culturais (2005) e pela Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas (2007). Em combinação com a Declaração do Direito ao Desenvolvimento e enriquecidos pelo conjunto central de princípios citados acima, esses documentos podem constituir o marco normativo de um conceito holístico de sustentabilidade, bem-estar e progresso da sociedade. 

Reorganizando direitos. Ao mesmo tempo em que as normas do sistema internacional de direitos humanos são geralmente aceitas e ratificadas pela maioria dos países do mundo, ainda existe uma lacuna de implementação gigantesca. E ainda pior: enquanto os Estados e seus departamentos nacionais e internacionais quase sempre deixaram de respeitar, proteger e cumprir os direitos humanos, nas últimas duas décadas, fortaleceram os direitos corporativos bem como os direitos do capital.  Promoveram a livre movimentação de capital, entretanto restringiram a livre movimentação de pessoas; fortaleceram os direitos de investidores transnacionais, porém enfraqueceram os direitos das pessoas afetadas por esses investimentos. Atualmente, as corporações transnacionais podem processar governos em fóruns internacionais por qualquer alteração nas regras, incluindo regulamentações na área da saúde que afetem seus lucros reais ou planejados, mas as pessoas são impedidas de processarem as empresas pela poluição e outras práticas prejudiciais que se lhes impõe. Há uma necessidade premente de reorganizar os direitos, isto é, reivindicar que os direitos humanos sejam a fundação normativa de políticas, e promover o retrocesso dos direitos do capital em relação aos direitos das pessoas.

Preenchendo as lacunas do sistema de direitos. Não existem lacunas apenas na implementação de direitos, elas também estão presentes no próprio sistema internacional de direitos. Certos princípios e valores, como o princípio da justiça intergeracional e o respeito pela natureza não estão explicitamente traduzidos (codificados) em direitos ainda. São necessários debates intensos e pesquisas sobre como incluir os conceitos dos direitos da natureza e da justiça intergeracional no sistema normativo internacional e como colocá-los em prática.

Da teoria à prática: Traduzindo princípios e direitos em estratégias, metas e políticas. Transformar os princípios fundamentais em direitos e obrigações internacionalmente aceitos é apenas o primeiro passo. O seguinte é formular metas e estratégias políticas para implementar esses direitos. Nesse caso, as políticas públicas desempenham um papel crucial. As autoridades públicas legitimizadas democraticamente, especialmente governos e parlamentos, tem a obrigação primordial de implementar uma abordagem baseada em direitos sobre sustentabilidade, bem estar e progresso da sociedade. Eles não devem transferir essa obrigação ao setor privado ou à sociedade civil.

Redirecionando políticas para promover a justiça hoje e no futuro.

Conseqüências da ineficiência em traduzir princípios e direitos em políticas. Em décadas passadas, os governos concordaram formalmente em estabelecer um conjunto quase completo de princípios e direitos humanos, entretanto, deixaram de alinhá-los efetivamente com suas políticas. Ao contrário, as políticas ainda se encontram, em várias instâncias, fragmentadas por setor e orientadas equivocadamente, com uma dependência exacerbada no crescimento econômico e na auto-regulação dos "mercados".  Novos conceitos, como o "crescimento verde" são, na sua melhor concepção, tentativas de se tratar os sintomas dos problemas sem atacar suas causas-raízes.  Portanto, o que se torna necessário são mudanças essenciais em três níveis: na mentalidade, conceitos e indicadores que orientam o desenvolvimento e o progresso; nas políticas fiscais e regulatórias (nas esferas nacional e internacional) para superar efetivamente as desigualdades sociais e a degradação da natureza e para fortalecer as economias sustentáveis; e nas instituições e nos mecanismos de governança (nas esferas nacional e internacional).

Mudando a mentalidade predominante. No mundo todo, a mentalidade de muitos líderes de opinião e tomadores de decisões políticas ainda está voltada para o crescimento econômico e soluções baseadas no mercado, como se fossem a panacéia para todos os problemas ambientais, sociais e econômicos do mundo. Os governos não estão (e tampouco deveriam estar) em uma posição de mudar a mentalidade predominante por meio do comando e controle. Porém, são obrigados a respaldar-se nas lições aprendidas de insucessos do passado e reformular os objetivos gerais de suas políticas e as métricas e conceitos correlatos que os guiam. Ao invés de subordinar suas políticas ao objetivo supremo de maximizar o crescimento do PIB, o lema orientador de suas políticas deveria ser maximizar o bem estar das pessoas, sem comprometer o bem estar de gerações futuras, respeitando os limites do planeta.

Novas métricas para sustentabilidade e progresso da sociedade. Conseqüentemente, os governos deveriam reconhecer a necessidade de novas métricas para sustentabilidade e progresso da sociedade, além do PIB, para direcionar suas políticas. Deveriam ativamente promover a pesquisa e o debate a respeito de métricas alternativas, nas esferas nacional e internacional, com um cronograma específico e ampla participação da sociedade civil. O debate deveria alavancar iniciativas existentes, por exemplo, o relatório da Comissão Stiglitz-Sen-Fitoussi, o MAP - Medindo o Progresso da Austrália e o Índice Nacional Bruto de Felicidade do Butão. Também deveriam levar em conta a revisão atual do Sistema Integrado de Contas Econômicas e Ambientais (SICEA), coordenado pela Divisão de Estatística da Secretaria das Nações Unidas.

Metas do desenvolvimento sustentável. A Rio 92 exigia trabalhos complementares para a definição de indicadores do desenvolvimento sustentável, que seria a base tanto para a determinação do conceito como para estabelecer metas internacionais comuns.  Duas décadas mais tarde, metas adicionais de progresso tinham de ser atingidas. Vínculos com o marco dos direitos humanos têm que ser traçados, estabelecendo metas claras, por exemplo, os direitos à alimentação, saúde e educação. Dessa forma, o debate não deveria abordar essas metas, uma vez que já foram acordadas, deveria indagar o "quando" e a "quantidade máxima de recursos disponíveis" (incluindo os provenientes da cooperação internacional) para garantir sua realização progressiva. Qualquer formulação de Metas de Desenvolvimento Sustentável que não englobe adequadamente as nuances de direitos humanos e de sustentabilidade, de forma simultânea e equilibrada, corre o risco de perder o foco na agenda abrangente do desenvolvimento sustentável, sem nenhum ganho compensatório.

Comprometimento com a coerência de políticas para sustentabilidade. Para traduzir o marco universal dos direitos à sustentabilidade, conforme descrito acima, em políticas nacionais efetivamente postas em prática, os governos e parlamentos devem adotar compromissos legais para a coerência de políticas de sustentabilidade, bem como estratégias de implementação e monitoramento.  Com base no conjunto central de princípios universais, como o princípio da precaução, o princípio de "não causar o mal" e o princípio da solidariedade, todas as políticas públicas devem ser redirecionadas aos direitos humanos e à sustentabilidade e estarem sujeitas às avaliações de impacto de direitos humanos e sustentabilidade.

Uma nova Carta para o Direito ao Desenvolvimento Sustentável. Para agrupar o conjunto central de princípios fundamentais e direitos humanos em um marco normativo de sustentabilidade, bem estar e progresso da sociedade, propomos a adoção de uma nova Carta para o Direito ao Desenvolvimento Sustentável. Esta Carta também deve referir-se, nomeadamente, à Carta Mundial para Natureza (1982) e à Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas (2007), além de atualizar e aprimorar a Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento de 1986. A nova Carta deve enfatizar o compromisso de governos com a coerência de políticas para direitos humanos e sustentabilidade. Deve reafirmar a obrigação com a implementação progressiva de direitos humanos por meio da máxima utilização de recursos e ampliá-la para o direito ao desenvolvimento sustentável e os direitos de futuras gerações. Deve reconhecer o conceito dos limites do planeta.  E finalmente, deve confirmar o princípio da divisão justa do ônus e dos direitos igualitários per capita, visando a população mundial e a emissão de gases de efeito estufa, e levando plenamente em conta as responsabilidades históricas de sociedades.

Reorientando as políticas fiscais na direção da sustentabilidade. As políticas fiscais são um instrumento essencial para governos colocarem em prática a abordagem de sustentabilidade, bem estar e progresso da sociedade, que se baseia nos direitos. As prioridades reais de governos estão refletidas mais claramente nos orçamentos públicos do que em declarações e programas de medidas governamentais. Além disso, a composição dos orçamentos governamentais nos permite realizar inferências sobre a influência política de diferentes grupos de interesse: Será que os militares são predominantes? Os interesses comerciais permeiam sua composição? Ou será que os gastos públicos estão voltados para as necessidades da maioria das pessoas da sociedade e corrigem a falta de equilíbrio entre gêneros? Em décadas mais recentes, testemunhamos o colapso das finanças públicas em muitos países, que resultaram na incapacidade crescente de governos de fornecer os bens e serviços públicos necessários para apoiar os sistemas de saúde e bem estar social, portanto deixando de responder efetivamente aos problemas sociais e ambientais.  Dessa forma, há uma necessidade urgente de fortalecer e reorientar as finanças públicas.

  • Levando os quatro "Rs" das políticas fiscais a sério. As políticas fiscais podem ter, basicamente, quatro finalidades: A retomada de receitas para o fornecimento de bens e serviços públicos necessários; a redistribuição de renda e riqueza das camadas mais ricas da sociedade para as mais pobres; a reprecificação de bens e serviços para internalizar os custos sociais e ecológicos e desencorajar comportamentos indesejáveis (como a especulação da moeda); e a justificativa para cidadãos exigirem a representação democrática (“não há tributação sem representação”) e responsabilidade. Infelizmente, os governos raramente se aproveitaram desses aspectos inerentes a políticas fiscais pró-ativas.  Muito pelo contrário, com freqüência participaram de uma corrida tributária decrescente (especialmente no caso da tributação corporativa). Deram preferência aos impostos indiretos, como um imposto sobre circulação de mercadorias não-diferenciado que apresentaram efeitos regressivos e aumentaram as desigualdades, e também hesitaram em introduzir impostos efetivos sobre o consumo nocivo de recursos ambientais. Precisamos tomar medidas na direção de reformas ecológicas, sociais e fiscais, levando-se em conta, nomeadamente, os seguintes aspectos:
  • A ênfase na tributação progressiva: Um requisito básico para fortalecer as receitas públicas é um sistema amplo de tributação progressiva. Em linha com o princípio das responsabilidades comuns, porém diferenciadas, a tributação deve ser baseada na capacidade de pagamento; os indivíduos ricos, as corporações transnacionais e os latifundiários devem ser tributados de maneira correspondente. Um imposto fixo sobre circulação de mercadorias e não-diferenciado é regressivo, onera os pobres e, portanto, não deve ser o alicerce do sistema tributário. Qualquer forma de tributação indireta deve ser desenvolvida de forma que seja sensível ao bem estar dos cidadãos de baixa renda por meio da implementação da progressividade (e.g. tributando o consumo de bens de luxo) e mitigando os aspectos regressivos.
  • Tornando o sistema tributário mais verde: Um dos principais elementos de qualquer reforma fiscal, econômica e social deve ser a migração da tributação sobre o trabalho para a tributação sobre o consumo de recursos.  Seguindo o princípio de que quem paga é o poluidor, um sistema de tributação ecológico deveria onerar especialmente o “preço da poluição”, o uso de combustíveis fósseis e outras fontes de energia não-renováveis e a emissão de gases de efeito estufa.
  • Tributação efetiva para corporações: Um elemento essencial para um sistema de tributação bem-sucedido é a tributação eficaz de corporações. Isenções tributárias ou incentivos fiscais para empresas transnacionais, especialmente em zonas de processamento de exportações, são contraproducentes e constituem um instrumento ineficiente para atrair investimentos estrangeiros diretos.  Tais medidas deveriam ser eliminadas, se possível, através de coordenação internacional.
  • Iniciativas contra a evasão fiscal e fluxos financeiros ilícitos: Em muitos países, os fluxos financeiros ilícitos, a sonegação de impostos e a corrupção continuam a impedir a implementação de um sistema sustentável de finanças públicas.  Um conjunto de medidas nacionais e internacionais torna-se necessário para fortalecer as autoridades fiscais, eliminar as brechas tributárias e impedir a fuga de capitais.  Algumas dessas medidas incluem: Apoiar os governos na criação de estruturas tributárias e autoridades fiscais mais eficientes e justas; medidas efetivas contra a manipulação de preços de transferência, normas obrigatórias específicas para cada país para emissão de relatórios de empresas transnacionais, com a Reforma americana Dodd-Frank de Wall Street e a Lei de Proteção ao Consumidor (Lei Dodd-Frank) de julho de 2010 como o passo inicial para as indústrias extrativas; regras legais para a troca automática de informações tributárias entre departamentos de estado; apoio efetivo para recuperação de artigos roubados, conforme descrito na Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção; proibição de transações financeiras em paraísos fiscais e jurisdições sigilosas.
  • Aplicando o princípio de que quem paga é o poluidor ao setor financeiro - implementando um Imposto sobre Transações Financeiras: As reivindicações que por muitos anos clamavam pela introdução de um imposto sobre transações financeiras ganharam relevância adicional com a atual crise financeira global. Esse imposto poderia contribuir para uma distribuição mais justa de encargos ao exigir do setor financeiro, que causou a crise, que arcasse com seus custos. Esse imposto deveria incidir sobre ações, títulos, derivativos e moeda estrangeira negociados na bolsa de valores, em sistemas de pregão e em transações over the counter (OTC). A imposição da tributação deveria ser realizada através de coordenação internacional e sua implementação deveria ser organizada pelas autoridades fiscais nacionais, entretanto, cada país ou grupo de países deveria ser estimulado a iniciar sua aplicação antes mesmo que se tornasse uma exigência global. Para garantir que a receita tributária não seja utilizada exclusivamente para sanar déficits orçamentários, mas também seja dedicada aos esforços pelos direitos, pelo meio ambiente e pelo desenvolvimento, uma parte significativa dessa receita deveria ser alocada e distribuída através de um fundo sob os auspícios das Nações Unidas.

Realocação dos gastos governamentais. Em paralelo às mudanças exigidas no fluxo de receitas do orçamento, qualquer reforma ecológica e fiscal bem-sucedida também requer mudanças profundas no perfil de gastos. Com freqüência, testemunhamos o uso do dinheiro público em iniciativas prejudiciais ou, no mínimo, questionáveis. Com a redefinição de prioridades, a política de gastos públicos pode tornar-se uma ferramenta poderosa para reduzir as desigualdades sociais, eliminar a discriminação e sustentar a transição para padrões de produção e consumo sustentáveis. Isso inclui as seguintes etapas:

  • Abolição de subsídios prejudiciais: Ao mesmo tempo em que os subsídios podem constituir um mecanismo temporário útil para equilibrar distorções inesperadas ou promover atividades desejadas em setores vulneráveis, todos os anos os governos gastam centenas de bilhões de dólares em subsídios prejudiciais, especialmente nos setores agrícola, florestal, de água, energia e pesca.  O dinheiro público é usado domesticamente e no exterior (através dos bancos de desenvolvimento multilaterais) para reduzir o preço de combustíveis fósseis, para prestar apoio às exportações agrícolas ou para subsidiar investimentos transnacionais. Esses tipos de subsídios não apenas possuem um efeito deletério sobre a sociedade e o meio ambiente, por reduzirem artificialmente os preços, como também diminuem a lucratividade de indústrias locais e a produção de energia renovável. Em síntese, os efeitos negativos dos subsídios possuem três facetas. Absorvem uma parte substancial dos orçamentos públicos que poderiam ser usados para finalidades mais nobres; contribuem para o dano ao meio ambiente, criando incentivos enganosos para o consumo e a produção; e apresentam efeitos adversos na distribuição. Dessa forma, os governos deveriam se comprometer com metas com prazos definidos para, assim que possível, encerrar todos os subsídios que apóiam os padrões de consumo e produção não sustentáveis ou que violam o princípio de não causar danos.
  • Fortalecendo os gastos públicos para estimular o consumo e a produção sustentáveis: Nem todos os subsídios são prejudiciais. Muito pelo contrário, os subsídios podem desempenhar um papel importante em oferecer suporte às indústrias locais emergentes e em introduzir tecnologias ambientalmente saudáveis. Os subsídios bem direcionados podem resultar em efeitos ambientais e de redistribuição positivos. Os governos deveriam fortalecer substancialmente os subsídios públicos em áreas como: energia renovável, sistemas de transporte público sustentáveis e acessíveis, moradias ecologicamente eficientes, infraestrutura social e subsídios de consumo para os domicílios de baixa renda.
  • Corte nos gastos militares: Os gastos militares absorvem uma parcela significativa das receitas federais na maioria dos países. Em 2010, atingiram o pico histórico total de US$ 1,63 trilhões. Ao se reduzir os orçamentos militares, grandes somas de dinheiro poderiam ser liberadas para financiar programas ambientais e sociais. Todavia, uma pré-condição para isso acontecer é o fortalecimento das ações de prevenção de conflitos, resolução pacífica de conflitos e, caso necessário, medidas de construção e manutenção da paz. Simultaneamente, os países que são os maiores produtores de armas (especialmente os cinco membros permanentes do Conselho de Segurança) têm a responsabilidade de melhorar o controle e a regulamentação de suas exportações de armas e apoiar o Tratado Global sobre o Comércio de Armas.
  • Um piso universal de proteção social para todos: O acesso à segurança social constitui um direito humano (Art. 22 da Declaração Universal de Direitos Humanos). Mas também configura como uma necessidade política e econômica, pois um sistema de seguridade social que funciona reduz a pobreza, fortalece o poder de compra das pessoas e, conseqüentemente, a demanda doméstica, além de impedir a tensão social e os conflitos na sociedade. Um conjunto mínimo de ações de seguridade social financiado pelo poder público deve existir em cada país. Seria uma condição indispensável para impedir que as pessoas cruzassem a linha da pobreza em decorrência de crises econômicas. Dessa forma, os governos deveriam implementar o conceito de piso universal de proteção social, conforme promovido pela OIT, baseado nos quatro pilares: Acesso universal ao sistema de saúde público para todos; provisões governamentais garantidas para todas as crianças; pensão básica universal concedida pelo governo para idosos ou pessoas com deficiências; apoio garantido do governo para os desempregados ou sub-empregados que vivem na pobreza.
  • Prestação pública de serviços essenciais: Após anos de uma tendência global na direção da privatização e desregulamentação, as autoridades públicas devem resgatar a responsabilidade de fornecer serviços essenciais para todos os cidadãos, incluindo o fornecimento de água, sistema sanitário, educação, sistema de saúde, abrigo, transporte público, comunicação e acesso à energia. Os governos deveriam aumentar consideravelmente seus gastos nessas áreas. Com pacotes de estímulo sustentáveis, os governos deveriam investir em programas de infraestrutura direcionados para aumentar a eficiência energética e de recursos. Seguindo o princípio dos subsídios, prioridade deve ser dada à promoção de modelos descentralizados de fornecimento de água e energia renovável, com uma forte supervisão pública, e à redução do poder do mercado de fornecedores oligopólicos públicos ou privados.  Para se dar a devida atenção aos direitos e interesses de povos indígenas e comunidades locais, as autoridades públicas e as empresas privadas devem respeitar o princípio do consentimento livre, prévio e informado em todos os projetos de infraestrutura.
  • Fortalecendo as iniciativas de orçamento para participação, gênero e direitos humanos: O livre acesso a informações orçamentárias assim como seu controle efetivo são vitais para aumentar a responsabilidade de governos perante seus cidadãos com relação ao uso dos fundos públicos. Os governos deveriam, portanto, assegurar a participação efetiva da sociedade civil no planejamento orçamentário. Para verificar se e até que ponto os governos estão ativamente promovendo a igualdade de gênero em seus orçamentos, abordagens orçamentárias voltadas para gênero devem ser usadas.  Os governos devem igualmente avaliar se os orçamentos cumprem sua obrigação de promover, proteger e aplicar os direitos humanos econômicos, sociais e culturais.
  • Utilizado políticas públicas de compras para promover a sustentabilidade: As autoridades públicas, desde o nível local até o global, possuem um enorme poder de compra. Até então, elas vêm sendo guiadas, em grande parte, pelos critérios de boa relação de custo-benefício. Entretanto, os agentes envolvidos em compras públicas tentam cada vez mais influenciar métodos de produção e produtos de seus fornecedores, introduzindo padrões vinculados aos direitos humanos e aos aspectos ambientais e sociais. Além disso, as políticas de compras deveriam ser usadas especificamente para fortalecer a economia local, dando apoio aos fornecedores domésticos.
  • Usando fundos soberanos para financiar investimentos sustentáveis: Os ativos geridos por fundos soberanos cresceram para US$ 4,7 trilhões em julho de 2011. Adicionalmente, outros US$ 6,8 trilhões se encontram depositados em veículos soberanos de investimento, como fundos de pensão reserva, fundos de desenvolvimento e fundos corporativos de propriedade do Estado. Há um enorme potencial para se investir esses ativos com base em objetivos de sustentabilidade específicos. Os governos deveriam autorizar os organismos de tomada de decisão desses fundos a introduzir critérios de sustentabilidade para direcionar suas políticas de investimento.

Um novo sistema global de compartilhamento de encargos financeiros além da AOD. Mesmo com um sistema público de finanças fundamentalmente fortalecido com o aumento de receitas tributárias e a realocação de gastos públicos, em muitos países a totalidade de recursos disponíveis não seria suficiente para atender os direitos sociais, econômicos, culturais e ecológicos das pessoas. Assim, o financiamento externo ainda se torna necessário. O atual sistema de transferências financeiras baseia-se no conceito da assistência (Assistência Oficial ao Desenvolvimento - AOD), que é caracterizado por relações paternalistas entre doadores ricos e "parceiros" pobres. Apesar de todas as tentativas de aumentar a "propriedade" e a "efetividade da assistência", esses fluxos financeiros são muitas vezes imprevisíveis, voláteis, relacionados a produtos e serviços dos doadores e sujeitos a condicionalidades. Esse conceito da assistência é enganoso, uma vez que sua justificativa é a caridade em vez dos direitos. Os governos têm de superar esse conceito da assistência e estabelecer um novo marco normativo de compartilhamento de ônus entre países ricos e pobres, com base no princípio da solidariedade, por exemplo, na forma de um sistema universal de equalização fiscal. Modelos para esse tipo de sistema de compensação ou equalização já existem em esferas nacionais e regionais. Na Alemanha, por exemplo, as desigualdades regionais são compensadas por um conceito de ajuste financeiro entre os estados federais. Na União Européia, a coesão e a equalização econômica são suportadas financeiramente por uma política compensatória estrutural. Um modelo como esse seria consistente com o Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (DESC). A materialização desses direitos é responsabilidade dos governos “individualmente e por meio de assistência e cooperação internacional, especialmente nas arenas econômica e técnica, mediante o uso da totalidade de recursos disponíveis.” A priorização desses recursos para o DESC também se aplica à assistência internacional.

Um sistema de compensação para pagar a dívida climática. O segundo pilar de um novo sistema normativo de transferências financeiras deveria ser respaldado nos princípios de ‘quem paga é o poluidor’ e de responsabilidades comuns, porém diferenciadas. Isso se torna particularmente relevante na alocação de recursos para mudança climática. De acordo com esses princípios, esse países, que são responsáveis pelo prejuízo que a emissão excessiva de gases de efeito estufa está causando - e ainda causará no futuro - têm de arcar com os custos associados. Incorreram no acúmulo de dívidas climáticas que terão de quitar ao longo dos próximos anos e décadas. Os esquemas de compensação devem ser guiados pelos princípios de compartilhamento justo de ônus e direitos igualitários per capita, levando plenamente em consideração as responsabilidades históricas de sociedades.

Além da meta de 0,7%. Mudanças no marco normativo das transferências financeiras também afetarão a chamada meta de 0,7%. Em 2010, a meta de 0,7% marcou seu 40º aniversário de não-cumprimento, desde que os governos participantes da Assembléia Geral da ONU a estabeleceram em 1970.  A decisão foi baseada no conceito então dominante de modernização. Sentia-se que um "grande empurrão" no capital estrangeiro era necessário para permitir que os chamados países em desenvolvimento "decolassem" na direção do crescimento econômico duradouro. Naquela época, os especialistas do Banco Mundial estimavam que a lacuna de capital era de aproximadamente 10 bilhões de dólares, o equivalente a 11% do PIB dos chamados países industrializados. Em 1969, a Comissão Pearson recomendou conceder aos países em desenvolvimento 0,3% do PIB na forma de capital privado e 0,7% na forma de AOD. Esse evento consolidou o nascimento da meta de 0,7%.
Hoje, esse número de 0,7% possui relevância política apenas simbólica como um "indicador de solidariedade". A meta de 0,7% não consegue explicar quanto o cumprimento do marco dos direitos de sustentabilidade custará na realidade, quanto os respectivos países poderiam contribuir e quanto de capital externo seria necessário para preencher a lacuna. Todas as estimativas da necessidade de financiamento externo, em combinação com os recursos novos e adicionais exigidos para medidas de mitigação do clima e adaptação à mudança climática, demonstram, no entanto, que as transferências financeiras precisariam ir muito além da marca de 0,7% do PIB. A crítica justificada sobre o contexto original no qual a meta de 0,7% se baseou, de maneira alguma, legitimiza o distanciamento de obrigações internacionais.

Precisamos mudar a perspectiva das finanças públicas externas, abandonando a abordagem baseada em assistência e migrando para uma abordagem baseada em direitos. Desdobramentos adicionais da resolução da Assembléia Geral da ONU de 1970 para ajustar o marco normativo de transferências financeiras à realidade do presente estão, há muito, atrasados. Isso poderia ocorrer no contexto da Carta de Direito ao Desenvolvimento Sustentável proposta.

Propostas para novas formas mais previsíveis de transferências financeiras não são uma novidade. O Norte-Sul: O relatório do Programa para Sobrevivência, publicado em 1980 pela Comissão Internacional Brandt, propôs o aumento de receitas para o desenvolvimento através de mecanismos 'automáticos' que possam funcionar sem as repetidas intervenções de governos. “Acreditamos que, ao longo do tempo, o mundo deva migrar para um sistema financeiro no qual uma parcela progressivamente maior das receitas seja captada através desses meios. O fato de que as receitas são captadas automaticamente não implica, claramente, que sejam transferidas automaticamente; pelo contrário, devem ser canalizadas através de uma agência ou de agências internacionais apropriadas (…).” Mais de 30 anos após esse relatório visionário, é chegada a hora de transformar essas idéias em realidade.

Fortalecendo o princípio geral de direito para promover a sustentabilidade. O estabelecimento de regras e normas é uma tarefa básica de governos responsáveis e um instrumento chave para o desenvolvimento de políticas. Todavia, durante os últimos 30 anos, os governos muitas vezes se auto-enfraqueceram em decorrência de políticas de desregulamentação e liberalização fiscal. Confiaram na vontade corporativa e na auto-regulação "dos mercados". O estabelecimento de normas e regulamentações públicas foi denunciado, com freqüência, como um conjunto de políticas de comando e controle. Mas foram apenas os mercados financeiros operando desenfreadamente que tornaram o fiasco financeiro atual possível; leis de antitruste frágeis permitiram que os bancos transnacionais se tornassem grandes demais para falharem, e a transformação inadequada do princípio da precaução em avaliações tecnológicas obrigatórias teve como desfecho a catástrofe de Fukushima e outras. Em resposta às recentes crises financeira e de alimentos, os governos começaram a implementar novas regras e normas, como no caso da Comissão da Bolsa de Mercadorias e Futuros dos Estados Unidos, que em outubro de 2010 aprovou regras modestas para limitar a especulação excessiva de commodities. Mas muito mais ainda resta a ser feito para restaurar os direitos públicos sobre os privilégios corporativos e para fortalecer o princípio geral de direito, agindo no interesse das gerações atuais e futuras.

Rumo à governança responsável e de inclusão

A necessidade de superar a fragmentação. Até hoje, a abordagem da governança para o desenvolvimento sustentável tem sido baseada na governança dos três pilares do desenvolvimento sustentável em suas próprias áreas, complementada pela coordenação entre elas. Essa tentativa é praticada em todos os níveis – global, regional, nacional e sub-nacional – e em cooperação com atores não estatais, primariamente a sociedade civil, os povos indígenas e o setor privado.

O desenvolvimento sustentável tem sido visto como um conceito vinculante, criado para facilitar o diálogo entre aqueles cuja preocupação principal está relacionada ao meio ambiente e aqueles que se vêem no papel de promover o crescimento e o desenvolvimento. Essa abordagem enfatiza a coordenação e o diálogo, porém não possui uma base institucional forte para a tomada de decisões e a alteração de políticas entre os três pilares. Tampouco abarca os direitos humanos, as desigualdades e a exclusão social. Na prática, o pilar ambiental domina o diálogo, o pilar econômico domina o impacto e o pilar social é amplamente negligenciado, além de sua abordagem limitada nos MDMs (Metas de Desenvolvimento do Milênio).

Apelo Urgente para Promover a Mudança de Mentalidade

A Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável – Rio 2012 – deve mudar a mentalidade dominante, atuando para:

Resgatar os direitos públicos sobre os privilégios corporativos;
após 30 anos de fortalecimento do poder de investidores e grandes corporações por meio da desregulamentação, liberalização do comércio e do setor financeiro, isenções e cortes tributários e enfraquecimento do papel do Estado na mediação desse poder; e ainda após o colapso financeiro causado pelo mercado.

Os princípios e valores da Declaração do Rio e da Declaração do Milênio da ONU, adotados pelos líderes de Estados e governos, estão sob ameaça e precisam ser reimplementados com urgência.  Esses princípios e valores incluem os Direitos Humanos, Liberdade, Igualdade, Solidariedade, Diversidade, Respeito pela Natureza e Responsabilidades Comuns, porém Diferenciadas. Os interesses corporativos não defendem esses princípios e valores.

Encarar a equidade com seriedade;
Após 30 anos de políticas que expandiram ainda mais a lacuna entre ricos e pobres e que exacerbaram as iniqüidades e desigualdades, incluindo o acesso a recursos.

Forças de mercado descontroladas favoreceram aqueles que já detinham uma posição de poder, ampliando a exclusão econômica.  Isso exige que governos reparem o desequilíbrio, eliminem a discriminação e garantam a subsistência sustentável, o trabalho decente e a inclusão social. A justiça intergeracional demanda contenção e responsabilização da geração atual.  É premente a necessidade de se implementar direitos per capita mais equitativos para promover o commons global e para abordar as emissões de gases de efeito estufa, levando-se plenamente em conta a responsabilidade histórica.

Recuperar a natureza;
após mais de 60 anos de aquecimento global, perda de biodiversidade, desertificação, depleção da vida marinha e de florestas, uma crise de recursos hídricos em rápida ascensão e muitas outras catástrofes ecológicas.

A crise ambiental está atingindo os pobres muito mais adversamente do que os ricos.  Soluções com o uso intenso do conhecimento, incluindo tecnologias, estão disponíveis para resgatar os sistemas naturais e reduzir dramaticamente as pressões sobre o clima e o meio ambiente global ao mesmo tempo em que melhoram o bem-estar de seres humanos. Uma “economia verde” é possível, porém deve estar permeada por um conceito holístico de sustentabilidade.  O que precisamos promover é a mudança de estilos de vida.

A Rio 92 adotou instrumentos com valor jurídico e dedicou-se à sociedade civil.  A Cúpula de Johanesburgo de 2002 celebrou parcerias com base em um Setor Privado auto-regulamentado.  A Cúpula do Rio de 2012 deve reiterar o papel do Estado como um ator indispensável que estabelece o marco jurídico, coloca padrões de equidade e direitos humanos em vigor e promove o pensamento ecológico a longo prazo, com base na legitimidade democrática.

A tomada de decisões e o desenvolvimento de políticas são gravemente prejudicados por essa hierarquia entre os três pilares, na medida em que a governança econômica global não cumpre os mandatos dos direitos humanos ou os requisitos do desenvolvimento sustentável. A hierarquia entre os três pilares também está refletida nas medidas usadas para recomendações de políticas e alocação orçamentária. Essas possuem objetivos sociais em um nível inferior; as métricas do progresso contabilizam apenas os dólares e externalizam os custos social e ambiental, favorecem o setor privado e penalizam a carteira pública. Não estamos medindo desenvolvimento sustentável, mas primariamente o crescimento econômico.

Para superar a fragmentação da governança para o desenvolvimento sustentável e garantir a coerência de políticas, é primordial reorganizar e reconfigurar as estruturas institucionais que englobam todos os aspectos do ciclo de políticas: definição da agenda, análise e formulação de políticas, tomada de decisão, implementação e avaliação.

Rumo ao Conselho do Desenvolvimento Sustentável. Adotar o desenvolvimento sustentável como um conceito abrangente requer uma instituição de ponta que congregue todas as outras noções de desenvolvimento e que consiga instilar na agenda de todos os organismos ambientais e de desenvolvimento a essência dos direitos e da sustentabilidade.

A configuração institucional do desenvolvimento sustentável deve guiar o trabalho de instituições globais na integração da tomada de decisões, ações, implementação e revisão de políticas. Não pode ser deixada a cargo do ECOSOC (Conselho Econômico e Social). Muitos recomendaram um Conselho de Desenvolvimento Sustentável se reportando diretamente à Assembléia Geral nos moldes do Conselho dos Direitos Humanos. Esse Conselho teria uma remissão que se estenderia a todos os três pilares do desenvolvimento sustentável - o ambiental, o econômico e o social.

A jurisdição do Conselho englobaria todos os organismos multilaterais, incluindo as instituições financeiras internacionais. O novo Conselho seria encarregado de supervisionar o processo de reporte apoiado por uma Revisão Periódica Universal (RPU) avançada.

Uma Revisão Periódica Universal da Sustentabilidade. O novo Conselho de Desenvolvimento Sustentável deve estar equipado com um mecanismo de Revisão Periódica Universal para que todos os países reportem suas ações para atingir o desenvolvimento sustentável, cobrindo todas as questões relevantes ligadas aos direitos humanos, comércio, políticas macroeconômicas, meio ambiente, financiamento e participação política. O conceito de RPU deve ser aprimorado para considerar as informações fornecidas não apenas pelos governos, mas também por outros atores, como a sociedade civil e o setor privado. As informações de relatórios e dos achados das Revisões Periódicas Universais seriam amplamente disponibilizadas através de canais de informação que pró-ativamente atingem todos os participantes relevantes.

Atualizando a Comissão de Políticas de Desenvolvimento. De acordo com sua constituição atual, a Comissão de Políticas de Desenvolvimento (CPD) é um organismo subsidiário ao Conselho Econômico e Social das Nações Unidas (ECOSOC). Ele fornece informações e consultoria independente ao Conselho a respeito de questões emergentes ligadas ao desenvolvimento que permeia os vários setores e sobre a cooperação internacional para o desenvolvimento, concentrando-se nos aspectos de médio e longo prazo. Os 24 membros da Comissão são nomeados pelo Secretário Geral das Nações Unidas na sua capacidade pessoal e o cargo é designado pelo Conselho por um período de três anos. A composição dos membros é organizada de forma a refletir um amplo espectro de experiências na área do desenvolvimento assim como o equilíbrio geográfico e de gênero. O CPD deve ser atualizado para trazer a bordo a atuação em pesquisas e oferecer consultoria independente a respeito de políticas do desenvolvimento sustentável que integrem plenamente os três pilares e a respeito de questões emergentes que exijam atenção e medidas intergovernamentais.  Deve estabelecer grupos de trabalho ou forças-tarefa que atendam demandas específicas para aprofundar e complementar suas funções e incluir membros de organizações que tenham um compromisso e um histórico comprovados em assuntos de relevância, incluindo as instituições da sociedade civil e dos povos indígenas. 

Ouvidoria (Ombudsperson) Internacional e Relatores Especiais. Há algumas áreas essenciais do desenvolvimento sustentável e da justiça intergeracional onde faltam padrões normativos e supervisão no sistema de governança internacional. Nós apoiamos a recomendação de se estabelecer a instituição de ouvidoria (Ombudsperson) para justiça intergeracional/gerações futuras. Além disso, a função de Relatores Especiais deve ser usada para examinar, monitorar, aconselhar e gerar relatórios públicos sobre problemas, como o direito à terra, acesso e uso da tecnologia, indústria da pesca; e desenvolver recomendações não apenas sobre casos específicos, mas também para normas novas e atualizadas. Isso poderia constituir um procedimento especial do recém-constituído Conselho para Desenvolvimento Sustentável. 

Superando as lacunas da governança em nível nacional. Um grande desafio para se introduzir uma governança efetiva na esfera global é a falta de coerência na esfera nacional.  Acordos internacionais efetivos não podem ser determinados ou fortalecidos sem a presença do comprometimento e da coerência na esfera nacional, e em todos os países. A reestruturação do ECOSOC ou a criação de um novo Conselho será um exercício fútil se ele não for "assumido" por contrapartes nacionais eficientes e colocado em uma posição de governança que influencie outros ministérios e interesses.  O novo mecanismo de governança na esfera nacional poderia incluir, por exemplo:

  • Um novo "Sherpa para Sustentabilidade" A responsabilidade deve ser assumida pelo líder de Estado ou governo para aumentar a coerência de políticas para sustentabilidade. Ele ou ela deve estabelecer uma função "Sherpa" para sustentabilidade. Essa função/cargo deve possuir uma posição no gabinete que garanta a coordenação entre ministros e autoridades do governo.
  • Uma Comissão Parlamentar para Coerência de Políticas de Sustentabilidade. Para assegurar a supervisão e a responsabilidade pública, uma Comissão Parlamentar para Coerência de Políticas de Sustentabilidade deve complementar a função "Sherpa". Essas instituições de alto nível nos sistemas executivo e legislativo do governo irão fornecer a presença e representação nacional necessárias nos fóruns relevantes de governança global para o desenvolvimento sustentável. Suas posições e perspectivas devem ser preparadas por meio de um processo de consulta relevante e permanente, com ampla representação participativa, que reflita as dimensões do desenvolvimento sustentável nos vários setores.
  • Um Ombudsperson para Gerações Futuras. A nomeação de Ombudspersons para Gerações Futuras poderia trazer a agenda da sustentabilidade diretamente para o círculo central de governos e legisladores. O Ombudsperson poderia envolver-se diretamente no processo de desenvolvimento de políticas e avaliar seus efeitos duradouros a partir de uma perspectiva integrada. Somente um organismo independente, que não tem a aspiração de ser reeleito pelos eleitores atuais, é capaz de focar-se totalmente em uma análise de longo prazo e representá-la sem nenhuma hesitação.

 

[1] Declaração redigida pelo Grupo de Reflexão da Sociedade Civil sobre as Perspectivas do Desenvolvimento Global. Trata-se de uma declaração preliminar que ainda não foi discutida por completo por todos os membros do Grupo. Os "trabalhos estão em andamento". Dessa forma, nem todas as recomendações desta declaração foram explicitamente endossadas por todos os membros do Grupo. Entretanto, a declaração transmite as idéias e o consenso fundamentais que foram formulados em reuniões prévias do Grupo de Reflexão.  O relatório final mais abrangente do Grupo será publicado no outono de 2012.  Os membros do Grupo de Reflexão são: Alejandro Chanona, Universidade Autônoma Nacional do México; Barbara Adams, Fórum de Políticas Globais; Beryl d'Almeida, Comitê de Bebês Abandonados do Zimbábue; Chee Yoke Ling, Rede do Terceiro Mundo; Ernst Ulrich von Weizsäcker, Painel de Recursos Internacionais; Danuta Sacher, Terre des hommes, Alemanha; Filomeno Sta. Ana III, Ação para Reforma Econômica, Filipinas; George Chira, Terre des hommes, Índia; Gigi Francisco, Alternativas de Desenvolvimento com Mulheres para uma Nova Era; Henning Melber, Fundação Dag Hammarskjöld, Suécia; Hubert Schillinger, Friedrich-Ebert-Stiftung, Alemanha; Jens Martens, Fórum de Políticas Globais, Europa; Jorge Ishizawa, Projeto Andino de Tecnologias para Camponeses, Peru; Karma Ura, Centro para Estudos do Butão; Roberto Bissio, Observatório da Cidadania; Vicky Tauli-Corpuz, Fundação Tebtebba; Yao Graham, Rede do Terceiro Mundo, África.