Rio+20: A implementação é a chave

Chee Yoke Ling

Rede do Terceiro Mundo, Malásia

No mundo todo, a marginalização social, e até mesmo a exclusão, está em ascensão. A desmotivação de jovens, mulheres, povos indígenas, indivíduos pobres de áreas rurais e urbanas e outras populações marginalizadas, bem como a classe média que se encontra ameaçada no momento, constitui um desafio sem precedentes para governos e para a ONU. A crise ecológica - desde a exaustão de recursos até a poluição e a mudança climática - vem piorando de 1992.  A Declaração de Direitos Humanos oferece uma dimensão transversal do desenvolvimento sustentável: O Rio+20 deve, portanto, focar em sua implementação. Há a necessidade urgente de fortalecer os acordos institucionais com base nos princípios do Rio.

As expectativas do documento resultante do Rio+20 estão invariavelmente ligadas aos compromissos e promessas não cumpridos da Rio 92 - Conferência sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, e suas convenções e planos de ação subseqüentes.  O compromisso de realizar uma mudança de paradigma dos modelos de crescimento econômico não sustentáveis para o desenvolvimento sustentável foi assumido nos mais altos escalões políticos, porém, até o momento ainda não ocorreu.

Hoje as desigualdades permeiam os Estados interna e externamente, entre outros Estados. As exportações mundiais quase quintuplicaram enquanto a receita per capita mundial mais do que dobrou. Entretanto, 20% da população mais rica desfruta de mais de 70% da renda total e aqueles que se encontram na camada dos 20% mais pobres recebem apenas 2% da renda global.

Essa distribuição distorcida da riqueza econômica ocorreu mediante o alto preço de um sistema financeiro internacional desregulamentado e desestabilizado, e um sistema de comércio multilateral que é amplamente caracterizado por regras que não são equilibradas, operando para desfavorecer os países em desenvolvimento. Quando crises econômicas e financeiras se abatem sobre nós, a maioria das pessoas — especialmente os pobres — sofre com impactos profundamente desproporcionais.

Os países desenvolvidos também concordaram na RIO 92 em tomar a liderança para abandonar padrões de consumo não sustentáveis. Esse padrões, todavia, permaneceram amplamente inalterados, e foram disseminados para os países em desenvolvimento, com os mais ricos adotando estilos de vida similares e a erradicação da pobreza continuando a ser elusiva. Com a desigualdade de renda acentuando-se em todos os países, o consumo excessivo e o consumo não sustentável dominam as alternativas de produção (e portanto o uso de recursos naturais e a alocação de recursos financeiros) enquanto os pobres e marginalizados são privados de uma qualidade de vida digna.



Reafirmando os princípios da RIO 92

Os princípios e marcos do desenvolvimento sustentável já foram adotados, inicialmente na RIO 92 e subsequentemente em planos de ação, programas e medidas acordados nas sessões anuais da Comissão sobre Desenvolvimento Sustentável (CDS). Eles também foram aceitos em todos os tratados e convenções relevantes.

Os componentes da agenda sustentável também fazem parte dos resultados das Cúpulas e Conferências da ONU desde 1992. A abordagem dos direitos humanos como uma dimensão transversal do desenvolvimento sustentável também possui um longo histórico de precedentes, desde que a Declaração Universal de Direitos Humanos foi adotada pela Assembléia Geral da ONU em 1948.  A Rio+20 deve, portanto, focar na implementação.

Atualmente, as falhas de implementação da agenda do desenvolvimento sustentável são amplamente reconhecidas. Assim, é essencial que a Rio+20 reconheça as causas centrais que levaram ao insucesso da implementação. Essas causas incluem:

  • A priorização da globalização sobre a agenda do desenvolvimento sustentável, caracterizada pela liberalização da economia, que gerou crises ecológicas e sociais, concentrou riqueza nas mãos de algumas corporações, tanto no setor financeiro como no industrial, e enfraqueceu a autonomia de políticas e o espaço de nações. A globalização que criou, por si só, crises econômicas, exacerbando as tensões sociais, conflitos e a desestabilização política;
  • O enfraquecimento do multilateralismo, que é crucial para o desenvolvimento sustentável;
  •  A influência desequilibrada de instituições econômicas globais e sua falta de responsabilidade pública, incluindo a ONU;
  • Falta de metodologias de implementação que constituíam uma parcela essencial da parceria de desenvolvimento sustentável com países desenvolvidos que se comprometeram em fornecê-las em 1992;
  • Falta de integração dos três pilares do desenvolvimento sustentável (desenvolvimento econômico, desenvolvimento social e proteção ambiental) em todos os níveis de política e governança, apesar dos esforços .iniciais nos anos 900

Marco institucional para o desenvolvimento sustentável

A ONU é o principal fórum para se chegar a um acordo sobre o Marco Institucional para o Desenvolvimento Sustentável (MIDS) com a integração dos três pilares do desenvolvimento sustentável e a implementação da agenda do desenvolvimento sustentável. Nesse contexto, necessita-se fortalecer urgentemente os acordos institucionais sobre o desenvolvimento sustentável em todas as esferas, de acordo com os princípios do Rio, especialmente o das responsabilidades comuns, porém diferenciadas.

Para lograr a integração dos três pilares e atingir o desenvolvimento sustentável, o MIDS deve, no mínimo, ralizar as seguintes funções:

  • Identificar ações específicas para cumprir a agenda do desenvolvimento sustentável;
  • Apoiar as estruturas regionais e os mecanismos nacionais, desenvolvendo e implementando suas estratégias de desenvolvimento sustentável;
  • Dar suporte aos países em desenvolvimento para que participem ativamente nas esferas regional e internacional durante a tomada de decisões;
  • Fornecer orientação global sobre ações específicas necessárias para cumprir a agenda do desenvolvimento sustentável;
  •  Monitorar o progresso da implementação, incluindo os compromissos de concessão de expertise e tecnologia para a implementação, e recomendar ações para corrigir e lidar com desafios;
  • Avaliar a integração equilibrada dos três pilares no sistema internacional e estabelecer os mecanismos necessários para acompanhar os compromissos assumidos e identificar as lacunas ou fraquezas que afetam a plena implementação da agenda do desenvolvimento sustentável;
  • Promover a participação da sociedade civil na agenda do desenvolvimento sustentável.

O MIDS requer que o Secretariado: (a) forneça os recursos de pesquisa, análise e relatórios, e recomendações para alertar governos e o público a respeito de tendências e problemas emergentes; (b) forneça consultoria e assistência técnica em geral; (c) organize a convocação de reuniões, disseminando seus relatórios e acompanhando seus resultados. É importante que para todas essas ações, as implicações para todos os três pilares sejam consideradas, para que cada um deles seja igualmente desenvolvido em termos de conceitos, resultados e ações.

Dessa forma, há a necessidade urgente de:

Primeiro, reiterar os princípios acordados internacionalmente que são parte integrante da Declaração sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, assinada no Rio de Janeiro em 1992, especialmente o princípio fundamental de responsabilidades comuns, porém diferenciadas, como o marco político para o desenvolvimento sustentável.

Em segundo lugar, renovar o compromisso político para implementação da agenda de desenvolvimento sustentável acordada, aproveitando o conhecimento e as experiências acumuladas dos últimos 20 anos.



Em terceiro lugar, embarcar em uma "parceria global revitalizada para o desenvolvimento sustentável" com os Estados retomando seu papel de responsabilidade e lançando mão da autonomia de políticas como uma contracorrente às forças desenfreadas do mercado que causam instabilidades em todos os níveis.

Em quarto lugar, em qualquer colaboração público-privada, garantir a desvinculação de políticas públicas e da governança da influência indevida do setor privado, especialmente das corporações e grandes empresas transnacionais.

Em quinto lugar, reconhecer a importância da tecnologia adequada para o desenvolvimento sustentável, estabelecendo um organismo intergovernamental que facilite a transferência tecnológica e a inovação (e que lide com barreiras como os direitos de propriedade intelectual), construindo capacidade para avaliações tecnológicas. A CSD, em sua primeira sessão, já estressou a necessidade das tecnologias serem avaliadas por seus impactos social, econômico, ambiental, de saúde e segurança.

Reconstruindo a segurança

A construção da segurança é necessária em função do distanciamento da maioria dos países desenvolvidos de seus compromissos internacionais relacionados ao desenvolvimento sustentável, e até mesmo a rejeição de alguns deles do princípio das responsabilidades comuns, porém diferenciadas. Fica claro, a partir do processo preparatório e das várias discussões correlatas, que ainda não há uma definição ou uma compreensão comum universalmente aceita sobre o termo "economia verde". Enquanto partes do sistema da ONU, como o ESCAP, auxiliaram os Estados membros a chegar a algum tipo de compreensão comum a respeito do crescimento verde, seus detalhes e sua operacionalização permanecem obscuros para a maioria dos governos.

Nas esferas dos governos locais e nacionais, das comunidades, empresas e organizações da sociedade civil, um amplo leque de políticas, programas, projetos e medidas são desenvolvidos e implementados e são considerados como "verdes" por todos os envolvidos, de acordo com suas respectivas interpretações e descrições.

Entretanto, algo que também está fortemente vindo à tona no processo preparatório, especialmente nas reuniões regionais, incluindo recentemente o Simpósio de Alto Nível sobre o Rio+20 em Pequim e o Diálogo Ministerial de Déli sobre Economia Verde e Crescimento com Inclusão, é a existência de um consenso crescente sobre a reafirmação dos princípios do Rio e o marco do desenvolvimento sustentável na arena internacional, permitindo que estratégias nacionais sejam formuladas e possam promover um ajuste fino dos três pilares em linha com melhores princípios, abordagens e práticas.